Dedução no IR é ferramenta de incentivo a saúde e assistência social

Notícias / geral - 14/10/24 36 Views
Dedução no IR é ferramenta de incentivo a saúde e assistência social

Frente Parlamentar de Recursos Naturais e Energia (FPRNE) realiza audiência pública para debater sobre a Reforma Tributária e o Setor Energético.  Mesa: presidente da FPRNE, senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB); senador Eduardo Braga (MDB-AM).
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

O Imposto de Renda (IR) é um dos tributos mais conhecidos no país e faz parte da vida de pelo menos um terço dos 212,6 milhões de brasileiros. Aplicado sobre salários e outros rendimentos, como valores recebidos de locação de imóveis, o IR acompanha a evolução patrimonial das pessoas e hoje tributa cerca de 35% da população economicamente ativa (PEA) do Brasil. Uma nova lei (Lei 14.848, de 2024) isentou de pagar o tributo quem recebe até R$ 2.259,20 por mês. Heranças, doações e benefícios de auxílio-doença e auxílio-acidente também estão livres do imposto.

Todos os anos, a Receita Federal publica uma instrução normativa com regras e procedimentos para a entrega da declaração. Em 2024,  42,4 milhões de pessoas prestaram contas ao leão. Em 2023, foram arrecadados R$ 2,3 trilhões de IR, cerca de 5% a mais do que no ano anterior. A expectativa para 2024 também é de aumento. 

Uma parte do montante arrecadado com o IR é destinada a saúde, educação, programas de transferência de renda, segurança e outros serviços públicos prestados ao cidadão. Outra fração é enviada a programas de geração de empregos e inclusão social, como plano de reforma agrária, construção de habitação popular, saneamento e reurbanização de áreas degradadas. Há também uma parcela para investimentos em infraestrutura, cultura, esporte, defesa do meio ambiente e estímulo ao desenvolvimento da ciência e tecnologia.

— Todo o imposto que é recolhido pela Receita Federal vai para o Tesouro Nacional. Quem dá a destinação do dinheiro é o Orçamento Federal, proposto pelo Executivo. Aqui no Congresso, ele sofre alterações, mudam-se algumas destinações — explica  o consultor de direito tributário do Senado Alberto Zouvi.

Em certos casos, é possível reduzir a quantia do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF). Esse mecanismo é chamado de dedução do Imposto de Renda e pode ser feito de duas formas distintas: a dedução de valores de base tributável, quando se reduz a receita a ser taxada pela União, ou a dedução do imposto devido, quando há desconto no valor a ser pago pelo contribuinte.

Um exemplo do primeiro modelo são as despesas com saúde e educação, que podem ser abatidas da receita declarada pela pessoa física. Já as deduções do imposto devido são, por exemplo, as doações incentivadas, como aquelas feitas a instituições financiadas pelos Fundos da Criança e do Adolescente ou Fundos do Idoso. Essas deduções, no entanto, são limitadas a até 6% do valor de imposto a ser pago. 

Projetos  

No Senado, tramitam diversas propostas para ampliar as possibilidades de dedução no Imposto de Renda. Há projetos tanto para aumentar os tipos de despesas passíveis de serem descontadas dos rendimentos do cidadão paraquanto para diversificar as doações a serem descontadas no valor a ser pago à Receita. 

O senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB) é autor de dois projetos que aumentam a lista de despesas a serem abatidas da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). Um deles, o PL 1.726/2019, permite que gastos na educação da pessoa com transtorno de espectro autista sejam considerados despesas médicas para fins de dedução. Para o senador, crianças com autismo têm uma boa resposta clínica quando estimuladas em programas educacionais. Assim, gastos com educação equivaleriam a um menor custo no cuidado futuro com a saúde desses pacientes.

A proposta foi aprovada na Comissão de Direitos Humanos (CDH) na forma de substitutivo do senador Flávio Arns (PSB-PR), que ampliou as deduções para despesas de educação e saúde de pessoas com deficiência e doenças raras. A proposta agora aguarda votação na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). O relator do projeto na comissão, senador Eduardo Braga (MDB-AM), rejeitou a mudança da CDH e retornou o projeto ao texto original.

“A ampliação do escopo da dedução é bastante específica, destinada ao grupo de pessoas com transtorno do espectro autista. A justificação do projeto do senador Veneziano Vital do Rêgo expõe com bastante clareza a importância de submeter essas pessoas a programas educacionais bem estruturados, nos quais sejam incentivadas as habilidades sociais, a capacidade de comunicação e a melhora das condições comportamentais do indivíduo, especialmente quando ainda criança”, afirma Braga.

“O afastamento do limite de dedução de despesas com instrução para todas as pessoas com deficiência ou acometidas por doença rara (…) pode implicar gasto tributário muito elevado”, complementa o relator.

Atividade física

Veneziano também é autor do PL 3.276/2021, que autoriza a dedução no IRPF de despesas com academias, centros de saúde física e outros estabelecimentos especializados na prática de atividade física. Para o senador, o projeto vai ao encontro da Constituição, que prevê a saúde como direito fundamental para os cidadãos. A proposta foi aprovada pela Comissão de Esportes (CEsp) em setembro, com relatoria do presidente do colegiado, senador Romário (PL-RJ), e agora segue para a CAE.

Na discussão da proposta, Romário destacou pesquisa de 2023 do Serviço Social da Indústria (Sesi) segundo a qual 52% dos brasileiros adultos são inativos. Também citou estudos apontando o vínculo entre inatividade e mortes prematuras.

— Aumentar a atividade física não só traria benefícios à saúde, mas também economizaria recursos do Sistema Único de Saúde. Estudos da Universidade Federal Fluminense (UFF) mostram que a inatividade custou ao SUS cerca de R$ 300 milhões em internações no ano de 2019.

O dado é reforçado por levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), que mostrou que para cada US$ 1 investido na prática esportiva, outros US$ 3 são economizados na saúde pública.

Incentivo à doação

Boa parte dos projetos no Senado preveem, no entanto, o aumento das possibilidades de dedução do IR por meio de doações incentivadas. O PL 2.620/2019, recém-aprovado na CAE, é um deles. A proposta, do senador Major Olímpio, morto em 2021, cria o programa nacional de atenção ao paciente cardiológico (Procardio), que prevê a dedução no IR para doações ao programa. O texto está em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

O relator na CAE, senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL), afirma que o dinheiro que deixará de ser arrecadado ao se permitir a dedução no IR será compensado com a diminuição de despesas do Sistema Único de Saúde (SUS) com pacientes cardiológicos. Dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) mostram que o SUS gasta mais de R$ 1 bilhão por ano com procedimentos cardiovasculares. 

— Isso significa que a renúncia fiscal, em verdade, será pelo menos parcialmente compensada pela economia de gastos que o Sistema Único de Saúde teria no tratamento dos pacientes beneficiados pelo programa — disse Rodrigo na reunião que aprovou o projeto. 

Sócio-cofundador da Renttax Assesoria Empresarial LTDA., Gustavo Nunes afirma que a proposta vai além do ganho econômico. 

— A doação incentivada vai ajudar os contribuintes que possuem alguma deficiência cardíaca. Porque ele vai ter o incentivo da instituição que será focada para os cardíacos. Então, é de extrema importância tanto para a questão econômica quanto a social. 

Na área da educação, é de Romário o PLS 758/2015, que autoriza a dedução no IR de doações destinadas à pesquisa científica. O texto foi aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) em fevereiro e encaminhado para discussão na CAE. O relator da proposta na CCT, senador Izalci Lucas (PL-DF), destacou que vários países adotam a dedução no Imposto de Renda como mecanismo de incentivo para doações a instituições de pesquisa.

— Nos Estados Unidos, por exemplo, é possível deduzir integralmente o valor doado para universidades, desde que o total não ultrapasse 50% da renda bruta ajustada anual do contribuinte. Somente em 2022, foram doados US$ 59,5 bilhões para as universidades [cerca de R$ 322 bilhões]. Um fator fundamental que explica esse grande volume doado é a possibilidade de dedução no Imposto de Renda devido — disse Izalci. 

De acordo com o projeto, para ser descontada no IR, a doação precisa seguir algumas regras, como ser destinada a instituição pública de ensino ou pesquisa. E a pessoa física responsável pelo projeto de pesquisa científica e pela captação da doação deve estar cadastrada na base de dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Declaração simplificada

Também está na CAE o PL 4.144/2019, do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), que estende, para quem optar pela declaração simplificada, o direito à dedução de doações feitas aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente. A proposta recebeu voto favorável do relator, senador Alessandro Vieira (MDB-SE). Atualmente, a legislação só permite esse tipo de dedução a quem declara o imposto de renda na modalidade completa.

Pelas regras atuais, o contribuinte pode escolher como quer declarar o Imposto de Renda. Mas só na forma completa são aceitas as deduções legais, levando em conta os gastos e o limite de cada tipo de despesa, desde que comprovadas por documentação. Não é possível fazer deduções na declaração simplificada, que garante desconto de 20% do valor da linha total de rendimentos tributáveis, limitados ao teto de R$ 16.754,34.

Mas o técnico em planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e doutor em política tributária Pedro Humberto explica que a declaração simplificada só é vantajosa para quem tem renda de até R$ 8 mil.

— Até R$ 8 mil você pode deduzir 20% da sua renda bruta anual sem necessidade de utilizar outras deduções como saúde e educação. Você até pode utilizar a declaração simplificada se você tiver uma renda maior de R$ 8 mil, mas acaba não sendo vantajoso. Ela tem um limite.

Assistência social

Outro projeto em análise no Senado é o PL 2.980/2024, da senadora Ana Paula Lobato (PDT-MA), que oferece o incentivo fiscal a quem fizer doações a entidades de ajuda a pessoas atingidas por desastres naturais. A senadora cita os rompimentos de barragens nas cidades mineiras de Mariana, em 2015, e de Brumadinho, em 2019, enchentes na Bahia em 2023, e a mais recente, no Rio Grande do Sul, em abril deste ano. 

“Em todos esses casos, entidades públicas e privadas prestaram auxílio às pessoas atingidas pelos desastres. Além disso, várias pessoas físicas e jurídicas de diversos estados do Brasil doaram recursos financeiros para tais entidades, como forma de contribuir. Acreditamos que o empenho nas doações seria maior, caso houvesse o incentivo de poder deduzir a doação do imposto sobre a renda devido”, defende Ana Paula.

Pelo texto, relatado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), o imposto devido será reduzido em 2% para pessoa jurídica e 7% para pessoa física. A iniciativa tramita na Comissão de Assuntos Sociais (CAS).

Ainda na linha de doações a entidades beneficentes de assistência social, a CCJ aprovou o  PL 2.874/2019, do senador Ciro Nogueira (PP-PI). O relator, senador Alan Rick (União-AC), apresentou substitutivo que ainda será votado em turno suplementar. 

O projeto cria a política nacional de combate à perda e ao desperdício de alimentos. Como forma de incentivar a doação, o texto prevê dedução de 5% do IR devido para estabelecimentos que realizem doações de alimentos dentro do prazo de validade e de produtos in natura em condições de consumo.

— A ideia das deduções do imposto devido, seja da pessoa física, seja da pessoa jurídica, é que a própria pessoa consiga destinar um pedacinho do imposto que ela paga para União fora das diretrizes do Orçamento. Isso é positivo porque o contribuinte vai saber muito bem qual a instituição que efetivamente funciona e pode doar diretamente a ela — destacou o consultor Alberto Zouvi.

Também para incentivar a doação de alimentos, o senador Giordano (MDB-SP) apresentou o PL 801/2024, que oferece deduções de até 6% do imposto devido a empresas do ramo de alimentos que doarem seus produtos a entidades sem fins lucrativos. O projeto ainda não tem relator designado na CAE.

A intenção, segundo o senador, é garantir que sobras de alimentos ou alimentos próximos do prazo de validade sejam utilizados de forma eficaz por quem precisa. “O combate à fome e à desigualdade social tornou-se ainda mais urgente num contexto agravado pela pandemia da covid-19. A medida visa não só aliviar a fome imediata, mas também incentivar uma transformação social mais ampla”, explica Giordano na justificativa do projeto. 

O PL 801/2024 abrange também doações feitas a entidades de proteção dos animais, mesmo tema de uma proposta da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) em análise na Comissão de Meio Ambiente (CMA). O PL 3.726/2023, que aguarda escolha de relator, permite que doações a entidades e organizações sem fins lucrativos dedicadas à proteção de animais sejam dedutíveis do IR.  

“A implementação desta proposta permitirá que as pessoas físicas destinem parte do imposto devido para as entidades protetoras dos animais. Com a injeção de recursos promovida por este projeto, conseguiremos mitigar a carência existente nos projetos de proteção e cuidado animal”, diz a senadora.

Para o consultor Alberto Zouvi, a renúncia dessas receitas via deduções não prejudica o Orçamento federal. 

— As doações aos fundos serão dedutíveis até o limite de 6% do IRPF devido. Esse limite será compartilhado com doações a projetos culturais, esportivos, de audiovisual e aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente e para Pessoas Idosas. Ao manter o limite de dedução vigente, os projetos não dão ensejo ao aumento do potencial de renúncia de receitas. Apenas habilitam os fundos a competirem pelas doações — disse Zouvi. 

De acordo com a Receita Federal, em 2024 já foram registradas 237 mil doações, totalizando um valor de R$ 330,4 milhões. A maior parte delas (59%) foi destinada a fundos de criança e adolescente. Os fundos de pessoa idosa receberam 41%. 

Segundo Zouvi, as deduções são pouco exploradas pelos contribuintes. 

— Esse permissivo de 6% ainda é muito pouco utilizado. A meu ver, não é uma perda significativa para a União. Nós temos que respeitar o desejo das pessoas, de quererem dar uma destinação para o imposto que elas pagam — afirmou.

Para o contabilista Gustavo Nunes, aumentar a possibilidade de deduções na hora de declarar o Imposto de Renda pode ser benéfico para a sociedade e para o contribuinte. 

— A dedução para fins de Imposto de Renda ainda é muito limitada. O contribuinte não tem muita opção de se beneficiar na hora de fazer a sua declaração. Com esses projetos que estão para ser aprovados, esse leque tende a se estender — ressalta o especialista.

Projetos que ampliam as possibilidades de dedução no IR
Projeto Tema Autor/Relator Comissões
PL 1.726/2019 Permite desconto como despesas médicas de gastos em educação de pessoa com transtorno do espectro autista Veneziano Vital do Rêgo / Eduardo Braga CAE
PL 3.276/2021 Autoriza dedução de despesas com academias e centros especializados em atividade física Veneziano Vital do Rêgo / Romário CEsp e CAE
PL 2.620/2019 Prevê dedução no IR de doações ao programa de atenção ao paciente cardiológico Major Olímpio / Rodrigo Cunha CAE e CCJ
PLS 785/2015 Incentiva doação a pesquisa científica Romário / Izalci Lucas CCT e CAE
PL 4.144/2019 Estende doação feita a Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente a quem faz declaração simplificada Luiz Carlos Heinze / Alessandro Vieira CAE
PL 2.980/2024 Oferece o incentivo a quem doar a entidades de ajuda a pessoas atingidas por desastres naturais Ana Paula Lobato/ Paulo Paim CAS
PL 2.874/2019 Prevê redução de IR a quem doa alimentos Ciro Nogueira / Alan Rick CCJ
PL 801/2024 Incentiva doação de alimentos por empresas Giordano CAE
PL 3.726/2023 Prevê dedução no IR de doações a entidades de proteção dos animais Soraya Thronicke CMA

Reportagem: Luiza Melo (sob supervisão de Paola Lima)

Edição: Maurício Müller

Infografia: Cássio Costa

Edição de fotos: Ana Volpe e Bernardo Ururahy
Edição multimídia: Bernardo Ururahy

Fonte: Agência Senado