20/03/2014 - Omissão de receita por optante pelo Simples - tributação fora do regime

Notícias / geral - 19/03/14 3513 Views

1 - INTRODUÇÃOA partir de 1º de julho de 2007, entrou em vigor o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, também denominado de Simples Nacional, instituído pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.Pelo regime, há tratamento especial aos seus optantes, no que se refere à tributação em lei expressamente prevista.Há, contudo, posicionamentos que pretendem alargar o alcance da norma, gerando contradições ao comando legal.É o que se passa a considerar.2 – TRIBUTAÇÃO DO ICMS NO ÂMBITO DO SIMPLES NACIONALQuando há omissão de receitas tributáveis, no que se refere ao procedimento de apuração do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), por optante pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional –, instituído pela Lei Complementar (LC) 123/06, têm surgido dúvidas acerca do procedimento a ser adotado.Neste contexto, o que precisa ser respondido é se deve subsistir autuação por omissão de receitas pela falta de emissão de documentos fiscais aplicada a empresa optante pelo Simples Nacional, bem como se esta autuação pode ser apreciada de forma autônoma ao processo de desenquadramento do regime, a ser julgado pelo órgão competente.Com o fito de extinguir a primeira indagação, devem ser notadas as disposições elencadas pelo legislador federal (LC 123/06, art. 13, §1º, inc. XIII, alíneas “e” e “f”) acerca do tema, como a seguir reproduzidas, verbis: “Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições: (...) § 1º O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas: (...) XIII - ICMS devido: (...) e) na aquisição ou manutenção em estoque de mercadoria desacobertada de documento fiscal; f) na operação ou prestação desacobertada de documento fiscal;”Assim, como consignado pelo legislador, as omissões de receitas, como as ocasionadas por não emissão de documentação fiscal, são circunstâncias que afastam completamente a incidência do regime. Vale dizer, não há que se falar em aplicação do Simples Nacional na presença de omissão de receitas.Apesar de inequívoca a manifestação inicial do legislador ao positivar o regramento analisado, é de se notar que têm surgido dúvidas acerca destas disposições, e isto por duas teses que extrapolam atuação legítima do Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN), a primeira no que diz respeito aos artigos 78 e 791 da Res. CGSN 94/2011, e a segunda no que tange a Re. CGSN 30/2008, em especial em seu art. 9º, §2º2.Desta forma, tem sido entendida como não aplicável a disposição legislativa a situações como a analisada.Nada obstante, com a devida vênia, estas interpretações não devem prosperar, e isto pelo que a seguir se demonstra.A primeira tese defende a ideia de que, até que seja implantado o sistema de controle referido pela Res. CGSN 94/11 não se pode constituir crédito tributário devido pelos optantes pelo Simples.O Simples Nacional, regido pela LC 123, é regime que dá tratamento diferenciado e simplificado a micro e pequenas empresas no que diz respeito a oito tributos elencados nos incisos do art. 13 da norma.Este ponto deve ser frisado para a correta compreensão da norma.O Simples Nacional não tem o condão de regular todas as relações jurídicas que afetem os optantes do regime. Não existe um direito penal especial destinado exclusivamente aos optantes do Simples, não existe um direito civil especial. De forma diversa, o regime diferenciado trata apenas de matéria tributária, e mesmo assim apenas no que diz respeito aos tributos inseridos no regime, expressamente ressalvando o legislador, como já indicado, no caput do §1º do art. 13, que em relação à tributação que está fora do regime – também expressamente indicada nos incisos do mesmo §1º – deve ser observada a legislação ordinária. Esta, inclusive, é a própria dicção do §1º indicado, como segue, verbis: “§ 1º O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:” (grifei) A seu turno, o CGSN é órgão criado pela LC 123 e que tem como atribuição regular as relações jurídicas abrangidas pelo regime3. Vale dizer, regular as disposições acerca da tributação sujeita ao Simples Nacional.Assim, a título de ilustração, se determinado município em que se situe estabelecimento de pequena empresa optante pelo Simples instituir contribuição de melhoria que tenha por sujeitos passivos conjunto de contribuintes entre os quais esta empresa esteja inserida, a incidência, o lançamento e a cobrança desta contribuição de melhoria não se darão segundo as normas, institutos e demais metodologias referentes ao Simples, mas segundo aquelas aplicáveis aos demais contribuintes, inclusive no que diz respeito aos sistemas de lançamento e de cobrança.E isto por quê? Porque se trata de tributação excluída das regras do Simples por expressa determinação legal.Da forma similar, se tratarmos de outros tributos, como o IPTU ou o IPVA, a mesma conclusão é alcançada. Vale dizer, será observada a legislação aplicável aos demais contribuintes, o que em tudo está de acordo com o comando da lei.Ocorre que, além de o fazer integralmente em relação a todos os tributos não elencados nos incisos I a VIII de seu art. 1, a LC 123 também exclui, agora parcialmente, da incidência do microssistema jurídico Simples Nacional, as hipóteses constantes dos incisos XIII e XIV do mesmo §1º do art. 13, em relação ao ICMS e ao ISS.Ou seja, não há falar em aplicação do Simples a estas hipóteses, assim como não há falar em relação ao IPTU, ao IPVA, ou a qualquer outro tributo excluído do regime, quando deverá ser observada a legislação aplicável aos demais contribuintes.Ora, se, como demonstrado, estas hipóteses estão fora do regime, por consectário direto estão igualmente fora do âmbito de regulação do CGSN, que, repita-se, tem sua atuação circunscrita ao Simples Nacional, por expressa previsão da norma que o criou.Fica claro então que as hipóteses elencadas no §1º do art. 13, por estarem fora do Simples, não estão sujeitas à regulação do CGSN, não estão sujeitas a formalidades específicas que sejam criadas para serem aplicadas às hipóteses de incidência sujeitas ao Simples.Por óbvio, a regulação constante do art. 78 da Res. elaborada pelo CGSN circunscreve-se ao regime simplificado, não sendo aplicável ao caso concreto, em que se analisa tributação fora do regime.Assim, ao tratar o CGSN da fiscalização por meio do Sefisc, está estabelecendo o balizamento em que se dará a fiscalização referente ao Simples. Vale dizer, em relação à tributação sujeita ao Simples.Ressalte-se. Em momento algum agiu o CGSN fora de suas atribuições. Pelo contrário. Editou norma para regular matéria afeta ao Simples Nacional, o que é absolutamente condizente com a lei. Interpretação equivocada é que sustenta ter o órgão agido, a uma, contra legem, se pretendesse inserir no regime tributação expressamente deste afastada, e a duas, exorbitando de sua competência, o que, contudo, e como demonstrado, não ocorreu.Vencido este ponto, passa-se à análise da segunda tese a ser desconstituída, fundada, equivocadamente, na aplicação de resolução do CGSN à tributação não sujeita ao Simples, e em igualmente equivocada interpretação da regulação.Ressalte-se. Como em relação à conjectura anterior, há óbice direto decorrente da intenção de aplicação de legislação estranha à matéria. Não obstante, o que se demonstra, subsidiariamente, é que sequer a interpretação que se pretende dar é consistente.Nestes termos, a Resolução CGSN 30/2008 determina, em seu art. 9º, § 2º, não serem aplicáveis as disposições da Resolução CGSN 51/2008 aos casos em que se verifique, no trânsito de mercadorias, a ocorrência de operações sem documento fiscal ou com documento fiscal inidôneo.A seu turno, a citada Resolução CGSN 51/2008 esmiuça as determinações da LC 123/06 acerca do regime simplificado, pormenorizando sua metodologia de operação.Assim sendo, o que faz a Resolução CGSN 30/2008 é determinar, em outras palavras, que o regime simplificado não se aplica aos casos em que se verifique, no trânsito de mercadorias, a ocorrência de operações sem documento fiscal ou com documento inidôneo.Ora, esta disposição em absolutamente nada inova o ordenamento jurídico, e isto porque, como demonstrado, a própria LC 123/06, base do regime, já excluiu de sua abrangência as operações sem documento fiscal ou com documento fiscal inidôneo. Ao revés, o dispositivo indicado apenas explicita regra do regime, sem alterá-la, mesmo porque, como tem sido exaustivamente objeto de demonstração, atuação em sentido diverso não teria supedâneo jurídico.Portanto, o fato de haver disposição específica prevista em pronunciamento do CGSN, no art. 9º, § 2º, da Resolução CGSN 30/2008, acerca de determinada operação, explicitando que, caso haja a verificação de infração por existência de mercadoria sem nota em fiscalização no trânsito de mercadorias, não se aplique o regime, em nada afasta a disposição geral expressa pela LC 123/06, de que este já não se aplicaria sempre que se verifique esta infração – operação com mercadorias sem a emissão de documentação fiscal –, ocorra onde ocorrer, no trânsito de mercadorias ou não.Nesta esteira, como forma de ilustração, dizer que o elemento A está contido no conjunto B – sendo este conjunto B formado por três elementos dentre os quais A – é afirmação verdadeira, porém absolutamente distinta de dizer que o elemento A seja o único integrante do conjunto B, esta afirmação falsa!Não bastassem estes argumentos apontados, relembre-se que há óbice ainda maior à interpretação restritiva que se pretenda dar aos dispositivos legais analisados.Consoante previsão expressa do §6º do art. 2º da LC 123/06, o CGSN, cuja manifestação serve de suporte à interpretação restritiva suscitada, sequer teria poderes para tanto, uma vez que apenas tem capacidade regulamentadora dentro do balizamento estabelecido na lei complementar4.Portanto, se no regramento a que está adstrita a atuação do CGSN é evidente a exclusão do regime das operações desacobertadas por documentação fiscal, não há falar em afastamento desta disposição por atuação deste órgão.Todavia, e como demonstrado, não o fez o CGSN, como ademais, de fato, nem sequer poderia fazer. Mais uma vez, não agiu o CGSN fora de suas atribuições. Agiu corretamente e observando as disposições da lei que rege a matéria. Mais uma vez, entretanto, há equivocada interpretação que sustenta o contrário.Argumentação vestigial ainda busca, por via indireta, sustentar que a previsão constante do art. 39, §2º, da LC 123/06 ensejaria a cobrança das omissões de receita ora analisadas por dentro do regime.Ora, além de afrontar disposições diretas da lei que rege o microssistema, como exaustivamente apontado, a tese é facilmente afastada ao se notar que o dispositivo trata das exações constituídas dentro do regime, sem afastar as de competência dos entes estadual e municipal.Assim, diante de omissões de receita, e, por conseguinte, da incidência das respectivas penalidades por fora do regime, isto por expressa determinação da Lei, pode subsistir ainda penalidade adicional concernente ao regime, pois o optante poderia ter se alocado em faixa de enquadramento indevida, o que, dentro do Simples, o sujeita à penalidade própria. Neste caso, a exação que fosse constituída dentro do regime observaria o regramento previsto no indigitado §2º do art. 39, em tudo se mantendo a coerência com o explicitado na lei que regula o regime simplificado.Finalmente, no que tange à análise da possibilidade de autuação autônoma em relação ao processo de desenquadramento do regime, a ser efetuado por órgão competente, é de se notar que a resposta positiva a este questionamento é imediata, pela previsão da já analisada alínea “f” do inciso XIII, do § 1º, do artigo 13, da LC nº 123/06, que exclui completamente do regime as infrações em apreço.3 – CONCLUSÃODiante destas considerações, no caso em apreço (omissões de receitas/saídas dos contribuintes optantes pelo Simples Nacional por operação sem documentação fiscal), a tributação do ICMS deverá ser feita segundo a regra expressa constante o inciso XIII do §1º do art. 13 da LC 123/06, ou seja, fora do regime.REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAAMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007.CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional, 5ª edição. Salvador: Editora Jus Podivm, 2011.1 Art. 78. As ações fiscais serão registradas no Sistema Único de Fiscalização, Lançamento e Contencioso (Sefisc), disponibilizado no Portal do Simples Nacional, com acesso pelos entes federados, devendo conter, no mínimo: (...)Art. 79. Verificada infração à legislação tributária por ME ou EPP optante pelo Simples Nacional, deverá ser lavrado Auto de Infração e Notificação Fiscal (AINF), emitido por meio do Sefisc. (...)2Art. 9º - Aplicam-se à ME e à EPP optantes pelo Simples Nacional todas as presunções de omissão de receita existentes nas legislações de regência dos tributos incluídos no Simples Nacional.(...)§ 2º - Não serão observadas as disposições da Resolução CGSN nº 51/08 , de 22 de dezembro de 2008, nas hipóteses em que o lançamento do ICMS decorra de constatação de aquisição, manutenção ou saídas de mercadorias ou de prestação de serviços sem documento fiscal ou com documento fiscal inidôneo, nas atividades que envolvam fiscalização de trânsito e similares, casos em que os tributos devidos serão exigidos observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas, consoante disposto nas alíneas \"e\" e \"f\" do inciso XIII do § 1º do artigo 13 da Lei Complementar nº 123/06, de 14 de dezembro de 2006. (redação do § 2º dada pela Resolução CGSN n° 50/2008)3Art. 2o O tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte de que trata o art. 1o desta Lei Complementar será gerido pelas instâncias a seguir especificadas:I - Comitê Gestor do Simples Nacional, vinculado ao Ministério da Fazenda, composto por 4 (quatro) representantes da Secretaria da Receita Federal do Brasil, como representantes da União, 2 (dois) dos Estados e do Distrito Federal e 2 (dois) dos Municípios, para tratar dos aspectos tributários;(...)§ 6o Ao Comitê de que trata o inciso I do caput deste artigo compete regulamentar a opção, exclusão, tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança, dívida ativa, recolhimento e demais itens relativos ao regime de que trata o art. 12 desta Lei Complementar, observadas as demais disposições desta Lei Complementar.4Art. 2º O tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte de que trata o art. 1o desta Lei Complementar será gerido pelas instâncias a seguir especificadas:I - Comitê Gestor do Simples Nacional, vinculado ao Ministério da Fazenda, composto por 4 (quatro) representantes da Secretaria da Receita Federal do Brasil, como representantes da União, 2 (dois) dos Estados e do Distrito Federal e 2 (dois) dos Municípios, para tratar dos aspectos tributários;(...)§ 6º Ao Comitê de que trata o inciso I do caput deste artigo compete regulamentar a opção, exclusão, tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança, dívida ativa, recolhimento e demais itens relativos ao regime de que trata o art. 12 desta Lei Complementar, observadas as demais disposições desta Lei Complementar.(grifei)Michel Scapini de CarvalhoAuditor Fiscal da Receita Estadual / Rio de Janeiro